“The Waverly Gallery” aborda o convívio familiar com o Alzheimer e emociona na Broadway

Alguns escritores têm a capacidade de tocar a nossa alma de uma maneira profunda. No universo literário, John Green faz isso comigo. No cinema e no teatro, é Kenneth Lonergan, que ganhou um Oscar de melhor roteiro original pelo espetacular filme “Manchester By The Sea”.

Eu assisti todos os seus filmes e, semana passada, tive o prazer de ver pela primeira vez uma peça de teatro escrita por ele, que está em cartaz na Broadway. Ao contrário do que muitos pensam, não é só de musicais que vive o meio teatral em Nova York, ótimas comédias e dramas são encenados nos teatros mais prestigiados dos EUA.

De tudo que Kenneth escreveu até hoje, “The Waverly Gallery” é seu texto mais pessoal. Conta a história de sua família, mais precisamente de sua avó Gladys, interpretada pela brilhante atriz Elaine May, que luta contra as consequências do Alzheimer. Enquanto seu neto, Daniel, interpretado por Lucas Hedges (que concorreu a um Oscar na categoria melhor ator coadjuvante por sua atuação em “Manchester By The Sea”), Ellen, sua mãe e filha de Gladys (a maravilhosa Joan Allen) e Howard, seu padrasto (igualmente sensacional, David Cromer) também sofrem para manter a razoabilidade e a sanidade, diante de uma doença que transforma não só a vida de sua portadora, como a de todos que estão ao seu redor.

Gladys foi uma renomada advogada em NY e ao se aposentar abriu uma pequena galeria, próxima ao prédio que morava no Village. Seu neto era seu vizinho, e sua filha e genro, que visitava semanalmente, moravam no outro lado da Ilha, no Upper West Side.

Ao longo do espetáculo conhecemos a jornada de Gladys, de sua filha, seu neto, do cachorro de Ellen, e de um novo amigo, Don, interpretado pelo excelente Michael Cera, que para sem querer um dia na The Waverly Gallery e é adotado por Gladys e sua família.

Os diálogos durante o jantar, onde todos falam ao mesmo tempo, me lembrou os almoços de domingo na casa da minha avó Grace, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro que, como Gladys, enfrentou o Alzheimer. Aliás, a protagonista do espetáculo é xará da minha mãe, o que me aproximou ainda mais do brilhante texto de Kenneth.

Independente se você tem ou não um membro da família que luta ou lutou contra a perda de memória, você vai se identificar em algum estágio com a trajetória de cada um dos personagens. A impaciência, a raiva, a pena, a dor e, acima de tudo, o carinho e a dedicação que só temos mesmo por pessoas que amamos profundamente, dentro ou fora da nossa família, são retratados com tanto realismo que ao assistir à peça, você se transportará para momentos da sua própria trajetória. Ao longo das 2 horas, no Golden Theater, a gente dá muitas gargalhadas, ao mesmo tempo que não consegue conter as lágrimas.

O tema central do espetáculo é pesado e parece que, por isso, a peça será deprimente, especialmente se você conviveu com alguém que teve a doença mas, surpreendentemente, graças ao excepcional texto, você sai do teatro com a alma lavada ou, como eu saí, com vontade de homenagear a minha querida avó, que nos deixou há 18 anos, no dia 31 de dezembro, celebrada pelos fogos de artifício da virada do ano no Rio de Janeiro.

Como Gladys, minha avó era uma pessoa espetacular. Como Daniel, Ellen, Howard e Don, foi difícil acompanhar seu últimos anos mas, como Kenneth me lembrou em “The Waverly Gallery”, foi importante reconhecer que nós também perdermos a paciência algumas vezes, nos culpamos, ficamos irados por ela, uma professora tão inteligente, dedicada, ter que sair da cena da vida sem lembrar das pessoas que mais amou. Ao mesmo tempo, foi maravilhoso celebrar de alguma forma a sua existência, e saber que fizemos tudo que podíamos, como seres imperfeitos que somos, para que ela fizesse uma passagem tranquila, e assim foi. Mas o melhor mesmo foi lembrar que tivemos a honra de tê-la em nossas vidas e, como Kenneth, o aprendizado foi tão grande, que rendeu um dos melhores e mais profundos espetáculos que assisti nos últimos anos, e tenho certeza que ele tocou não só a minha alma, mas de muitos que tiveram o prazer de prestigiá-lo.

Se você estiver em NY ou for visitar a cidade até o final de janeiro, se gosta de teatro e está buscando uma peça inspiradora para ver na Broadway, fica aqui a minha dica.

https://thewaverlygalleryonbroadway.com/

 

https://thewaverlygalleryonbroadway.com/tickets

Para Grace, minha avó, que sempre deu asas a minha imaginação. Eu não estaria escrevendo este artigo, sem as tardes, estudando com ela em sua modesta escolinha em Bonsucesso, onde eu tinha uma parede em que eu podia desenhar e escrever os meus sonhos e onde tantas vezes eu exercitei a minha criatividade, sem medo, porque eu sabia que Grace sempre estaria lá para me aplaudir.

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