“A Garota Sem Passado”: Quando as pessoas não são o que parecem

Por: Carl

Michael KARDOS
Editora ARQUEIRO
2016
304 páginas

SINOPSE: Num domingo de setembro de 1991, Ramsey Miller deu uma festa em casa para os vizinhos. Depois, assassinou a esposa e a filha de 3 anos. Todo mundo na pacata cidade de Silver Bay conhece a história. Só que todos estão errados. A menina escapou. Sob o nome falso de Melanie Denison, ela passou os últimos quinze anos escondida com os tios numa cidadezinha remota. Nunca pôde viajar, ir a uma festa na escola ou ter internet em casa, porque Ramsey jamais foi encontrado e poderia ir atrás dela a qualquer momento. Mas, apesar das rígidas regras de segurança impostas pelos tios, Melanie se envolve com um jovem professor da escola local e engravida. Ela decide que seu filho não terá a mesma vida clandestina que ela e, para isso, volta a Silver Bay para fazer o que nem os investigadores locais, nem a polícia federal, nem o FBI conseguiram: encontrar seu pai antes que ele a encontre.

Uma boa história, ou uma boa ideia, não precisam de muitos detalhes, nem de muito desenvolvimento, para surpreenderem. Às vezes basta um pequeno desvio de atenção, como uma mágica, fazendo o leitor pensar uma coisa e depois, já no final, mostrar que não era bem assim, que toda a verdade estava lá, bastava pensar, ou ler direito. Os personagens são apresentados e desenvolvidos dentro de um limite que não permite ao leitor prever o que está por vir. As pistas são entregues aos poucos, de forma que o leitor consiga assimilar sem dificuldades, mas insuficientes para enxergar o plano geral.

A obra de Michael Kardos, além de apresentar um final que mostra como o leitor foi enganado o livro todo, ganha pontos por diversas características. Começando pelos personagens principais: Melanie, ou Meg; Allie, a mãe de Melanie; Ramsey, o pai. Arthur, o repórter; Eric, o melhor amigo; Wayne e Kendra, os tios que esconderam Melanie. Todos, cada um a seu tempo, tem uma importância fundamental no desenvolvimento da história. E todos, sem exceção, têm um grau de imperfeição.

A narrativa, em terceira pessoa, acompanha apenas dois deles: Melanie, obviamente; e Ramsey, seu pai, o suspeito de ter assassinado sua mãe. Junto com Melanie, no tempo presente, acompanhamos seu sonho de viver sem se esconder, sua volta à cidade natal e a tentativa de encontrar pistas que levem a polícia a prenderem Ramsey, acabando com seu sofrimento diário de achar que será morta por ele.

No tempo passado, quinze anos antes, acompanhamos toda a vida de Ramsey, até o fatídico momento do assassinato. Conhecemos sua criação, por pais desajustados, mas nem tanto. Suas infrações delinquentes na juventude, seu primeiro emprego, a paixão com Allie, o casamento, a profissão de motorista de caminhão, as suas ideias sobre o futuro, sobre sua relação conjugal, o amor que sente por Melanie, e assim por diante. O curioso é que, em nenhum momento, até o final do livro, quando toda a verdade é revelada, não conseguimos encontrar motivos suficientes para o crime acontecer.

Sim, este é um ponto original e que motiva a leitura. Por quase toda a história, mesmo conhecendo o ponto de vista da vítima e do réu, não conseguimos encontrar motivos para o que irá acontecer, ou aconteceu. Página atrás de página, tentamos compreender o que poderá motivar alguém, que parece amar tanto a esposa e a filha, a cometer a atrocidade de matá-las em uma noite absolutamente normal. Até que descobrimos que tudo estava lá, o tempo todo, era só prestar atenção.

Na verdade, a história confirma algo que todos sabemos: que muitas pessoas não são o que parecem, que nunca conhecemos verdadeiramente alguém, até que esse alguém precise se mostrar, que deixe cair sua máscara. Algumas máscaras estão lá como proteção; outras, para esconder as falhas; e outras, para ocultarem um monstro.

A GAROTA SEM PASSADO apresenta uma conclusão que satisfaz, que transmite a sensação de que você leu algo que foi surpreendente, mas que também deixa um gosto amargo na boca. Como os personagens, a história é realista no destino de cada um. Ela praticamente grita que o mundo é imperfeito, que existem pessoas carentes, loucas, traidoras, egoístas, egocêntricas, covardes, enfim, de todos os tipos, espalhadas por todos os lugares, porque o ser humano é assim, cheio de falhas. A vida é um reflexo dessas falhas. E na parte final, quando Melanie fica em um parque, na expectativa de que uma certa pessoa possa aparecer, quando apenas o leitor sabe o destino dela e que ela nunca irá aparecer, dá aquele aperto no coração. Mas as coisas são assim. E ponto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *