“Mate-Me Por Favor”: Diretora Anita Silveira bate um papo sobre cinema

“Mate-Me Por Favor” é o primeiro longa metragem da cineasta brasileira Anita Silveira. Foi exibido no prestigiado festival South by Southwest, em março de 2016, na cidade de Austin, no Texas. Uma das curadoras do maior festival de cinema na Califórnia, o AFI Fest, estava lá, assistiu e virou fã. Tanto que o filme foi exibido no Chinese Theater em Hollywood no mês passado, como um dos destaques da programação do American Film Institute Fest.

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Eu estava cobrindo o festival em Los Angeles e fui convidada para a cabine de imprensa do filme. Meu coração verde e amarelo pulou de orgulho, dançou ao som de “Nosso Sonho”, o hit de Claudinho & Bochecha que faz parte da trilha sonora e ainda vibrou de felicidade ao ter o prazer de bater um papo super bacana com Anita, que veio apresentar seu obra-prima na Cidade dos Anjos.

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Anita, que é formada em cinema na PUC, no Rio de Janeiro, nos contou como a perda de uma amiga aos 20 anos de idade inspirou seus primeiros trabalhos na telona. Revelou os maiores desafios de rodar “Mate-me Por Favor” só com adolescentes, durante um dos verões mais quentes no Rio de Janeiro, e por que escolheu o bairro da Barra da Tijuca, como locação. Falou ainda que ouviu de muitos americanos que eles queriam ter nascido no Brasil, por conta das leis de incentivo à produção de cinema, que não existem nos EUA. E finalizou com algumas dicas de como ser um cineasta jovem e bem-sucedido em nosso país.

Imperdível conferir.

A inspiração:

Eu fiz um curta chamado “Handball”, focado na amizade entre mulheres e na ideia da morte. De certa forma, “Mate-Me Por Favor” é uma continuação deste curta. Mas a origem da origem mesmo foi quando aos 20 anos eu perdi uma amiga minha e comecei, realmente, a pensar nesta questão da pessoa se matar, ela era uma amiga que vivia de uma forma muito intensa. E comecei a ler muito sobre o assunto, até que encontrei uma frase que dizia: “Ser jovem é morrer, sem deixar de viver, e querer viver tudo intensamente.” Então a partir desta energia dos jovens que não tem medo de nada que nasceu a ideia dos meus projetos. Engraçado que depois a gente cresce e fica covarde, mas me lembro que quando eu era adolescente eu tinha este prazer de voltar a pé, sozinha de madrugada pra casa. Minha mãe me dava dinheiro pro táxi, mas eu queria voltar a pé, tinha essa ideia de me achar invencível. E eu quis colocar um pouco dessa energia no filme.

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A escolha de Bia, a protagonista:

A presença física da Valentina Herszage me chamou atenção, ela se destacou, com seu modo de olhar, se comportar. Eu quase eliminei ela no início, porque ela falava muito rápido, mas ao mesmo tempo ela era muito interessante, e se sentia muito à vontade com o próprio corpo, ao contrário de muitas meninas da idade dela, e isso pesou na escalação dela para o elenco, até porque a questão da dicção a gente pode trabalhar ao longo do processo, a presença não, você tem ou não tem, e ela tinha.

Rostos novos na telona:

Eu queria filmar com atrizes da idade dos personagens e, como são adolescentes, nós temos que cumprir várias regras (por conta da legislação de menores do estado do RJ, que é mais rígida que as demais no país), por exemplo eu tive que rodar o filme com as meninas durante as férias escolares delas. O que foi bom que são rostos novos, elas nunca tinham feito nenhum trabalho profissional. Até porque a TV Globo, não costuma contratar menores, mesmo o pessoal de “Malhação” já tem mais de 18 anos, porque é um investimento alto e tem várias restrições para trabalhar com menores de idade, para eles fica inviável. Então o nosso elenco veio dos testes que fizemos com a turma que faz Tablado (um curso de teatro no RJ), uma vez por semana, carinhas novas. O que foi ótimo pra gente.

Um filme sem adultos:

Essa questão de não ter adultos no filme é um reflexo mesmo da minha geração. Alguns pais de amigas minhas eram separados e não se falavam. E a mãe trabalhava o dia inteiro, depois ia pra casa do namorado, então elas estavam sempre sozinhas em casa. É uma situação típica da minha geração, todo mundo se criando, chega em casa tem no máximo uma empregada na cozinha, ou não tem ninguém mesmo.

A Barra da Tijuca

Eu não moro na Barra, mas perdi vários amigos para Barra, no sentido que eles se mudaram para lá. Em 1994, 1995, no começo eu ainda ia visitar, passar o final de semana lá, na casa de uma amiga que a mãe dela nunca estava em casa, e ela morava num condomínio que estava em construção, só tinha o prédio dela pronto. Eu lembro que a gente ficava andando nos arredores, vagando por lá. Todas essas experiências de certa forma serviram de inspiração para o filme.

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Os maiores desafios nas filmagens

A questão da locação foi bem difícil, a gente começou a rodar o filme sem ter todas as locações fechadas. Nós rodamos o filme todo na Barra, mas a maioria dos terrenos baldios de lá pertencem a construtoras que não falam com a galera do cinema. A nossa sorte foi que conseguimos autorizar com a sub-prefeitura, um terreno que no futuro vai ser uma rua. A estação do BRT, por exemplo, foi apoio. Nós rodamos numa que ainda estava em construção. Eles nos cederam o espaço em troca de foto, estavam a fim de divulgar o transporte.

Outro desafio foi que tivemos que filmar no verão, por conta das férias das meninas. Você imagina, no Rio de Janeiro, 47 graus Celsius. E a gente queria dar um ar de outono ao filme, então as cenas que você vê que parecem ser ao meio-dia, na verdade nos gravamos às seis da manhã. Nenhuma cena do filme exterior de dia foi rodada depois das nove da manhã, porque realmente o sol de verão não permite que a gente trabalhe de forma saudável e o visual também não fica tão bom.

A jornada de Mate-Me Por Favor

A gente deu muita sorte em ter a Vania Catani, da Bananeira Filmes, como produtora. Ela é muito experiente e conseguimos financiar relativamente rápido, aproximadamente 3 anos, o que é muito rápido para um primeiro longa, mas sei que alguns amigos demoram mais. Me sinto privilegiada de ter tido as oportunidades que tive tão rápido. Fiz 3 curtas antes, o primeiro foi um projeto universitário, os outros foram com a ajuda dos amigos, gente trabalhando de graça mesmo, tudo barato. O meu segundo curta ganhou prêmios em dinheiro, que usei para financiar parte do orçamento do terceiro. É uma batalha, mas assim a gente vai conseguindo realizar os projetos. O meu terceiro curta foi para o Festival de Cannes e isso também ajudou muito para conseguirmos o financiamento do Mate-me.

Os americanos tem inveja dos cineastas brasileiros

Os americanos que conheci aqui dizem que eu tenho sorte por morar em um país que tem fundo para cinema. Aqui tem mais gente, de todos os lugares do mundo, e nenhum tipo de financiamento nesta área. É mais difícil.

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Meu processo criativo

Cada um tem o seu processo criativo, mas para mim é mais fácil falar de um universo que eu conheço, de algo que eu vivi, um pouco como fiz ate agora. Meus trabalhos nasceram da minha experiência com a perda da minha amiga, e do modo de vida da minha geração. No meu próximo trabalho eu vou me distanciar um pouco, mas não muito, vou falar de jovens, mas não tão jovens, como fiz até agora, e desta onda conservadora que está acontecendo no mundo, aqui nos EUA elegeram o Trump, e no Brasil também as pessoas estão cada vez mais radicais com as suas opiniões. Quem é de direita é realmente de direita, quem é de esquerda é de esquerda, e rolam brigas serias, a porrada come. E são estes tópicos que pretendo abordar no meu próximo filme.

Dicas pra quem sonha em ser cineasta no Brasil

Eu acredito piamente que o curta é o caminho, o pontapé inicial da vida de um cineasta. Não adianta começar com um longa, pode ser o melhor roteiro do mundo, mas é importante que as pessoas vejam qual é a sua estética, qual é o seu visual, como você pensa a sua narrativa, pois isso tudo vai contribuir para você conseguir financiar seu longa. E é importante saber também como você vai se comunicar no set de filmagens, como é seu modo de se relacionar com as pessoas. É importante começar pequeno, entre amigos, para ter a chance de aprender a administrar o set, sem ter muita gente e muito dinheiro envolvido. Isso é fundamental na vida de um diretor para ser bem-sucedido quando for assumir um projeto maior.

Mate-Me Por Favor

Sinopse: Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Uma onda de assassinatos invade o bairro. O que começa como uma curiosidade mórbida se apodera cada vez mais da vida dos jovens habitantes. Entre eles, Bia, uma garota de 15 anos. Após um encontro com a morte, ela fará de tudo para ter a certeza de que está viva.


Trailer:

 

 

Saiba mais sobre o que rolou do AFI Fest, o maior festival de cinema na Califórnia, com entrada gratuita para todos os filmes:

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