Southwest of Salem: Documentário mostra a luta de mulheres por justiça e liberdade

Sentada ao lado da janela numa suíte no luxuoso e lendário hotel “The Beverly Hilton”, onde acontece o “Golden Globes”, em Beverly Hills, Anna aponta para fora e fala: “isso tudo parece surreal, nos muitos anos que nos ficamos injustamente presas, nunca imaginávamos que pudéssemos um dia estar aqui. É bom estar em Beverly Hills, mas o triste são as razões que nos trouxeram até aqui”.

E Elizabeth complementa: “sem contar que para viajarmos precisamos de uma autorização judicial, pois ainda estamos em liberdade condicional, por um crime que nunca existiu. E corremos o risco de voltar para o prisão”.

Elizabeth “Liz” Ramirez, Anna Vasquez, Cassandra “Cassie” Rivera e Kristie Mayhugh são quatro amigas, lésbicas, latinas, classe média baixa, residentes da cidade de San Antonio, no estado do Texas. Todas foram acusadas de terem estuprado coletivamente duas meninas, sobrinhas de Elizabeth, no final dos anos 90, quando tinham em torno de 19 e 20 anos. Na época, Anna e Cassandra viviam juntas há 7 anos e criavam os filhos pequenos de Cassandra. Elizabeth, que tinha assumido sua bissexualidade ainda na adolescência, estava grávida de seu primeiro filho e Kristie, que dividia um apartamento com Elizabeth, tinha ganhado uma bolsa na A & M Escola de Veterinária em College Station, no Texas.

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A história dessas quatro mulheres pode ser vista no documentário “Southwest of Salem: The Story Of San Antonio Four” (A História Das Quatro Mulheres De San Antonio), da diretora Deborah Esquenazi que esteve ao lado delas gravando seus depoimentos para o filme durante os anos que estavam presas, e as acompanha no tour que fazem promovendo o documentário que entra em cartaz amanhã, dia 16 de setembro nos cinemas em Nova York e dia 25 de setembro em LA.

“Quem me falou sobre a história delas foi minha amiga Debbie Nathan (diretora do documentário “Capturing The Friedmans”, indicado ao Oscar) há mais ou menos 5 anos. Debbie me enviou as imagens em VHS que Anna e Cassie fizeram na época da acusação como uma das formas de sua defesa (que por sinal abrem o documentário). Eu assisti aquilo, comecei a pesquisar o caso e falei para mim mesma, essas mulheres são inocentes, elas são vítimas nesta situação pontuada por homofobia e injustiças. E desta forma, eu resolvi procurá-las com a proposta de fazer o documentário.”, contou Deborah.

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Diretora Deborah Esquenazi

Cassie recorda que quando Deborah as procurou pela primeira vez elas ficaram um pouco reticentes com a ideia: “nós já tínhamos sofrido tanto nas mãos da Justiça e, especialmente, da mídia que falou tantos absurdos sobre nós na época que fomos presas, que não confiávamos mais em ninguém. Mas como você vê Deborah tem uma boa energia, e graças a Deus nós aceitamos pois agora estamos aqui falando com a imprensa, é a nossa oportunidade de provar a nossa inocência de uma vez por todas”.

O documentário acompanha a trajetória das quatro mulheres já na prisão até a sua liberdade condicional, mostra através de depoimentos e documentos oficiais a ausência de evidências contra elas na acusação de estupro e, mais importante, o depoimento de uma das sobrinhas de Liz, hoje adulta, que supostamente teria sido abusada sexualmente pelas quatro, deixa claro que o crime na verdade nunca aconteceu.

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Cassandra “Cassie” Rivera

Ainda assim, Anna, Liz, Cassie e Kristie estão em condicional e serão julgadas novamente. Quando comento com Deborah que morei no Texas e sei que um estado bem conservador, ela diz: “Sim, eu sou do Texas, sou mulher, sou gay e sei quão conservador o Texas é, mas este tipo de injustiça acontece todos os dias em qualquer lugar dos EUA, aliás, do mundo inteiro, e nós temos que enfrentar a homofobia, o preconceito racial aqui em Hollywood também, enfim, esperamos que o caso delas tenha um final feliz e sirva de exemplo para a reforma judicial nos EUA e como inspiração para pessoas que estejam passando por uma situação parecida em qualquer lugar do planeta”.

E verdade seja dita, Deborah tem toda a razão, nós mesmos no Brasil vemos injustiças como esta acontecerem diariamente e achamos que é coisa do nosso país. Mas, o caso das “Mulheres De San Antonio” está aí para provar que os EUA pode ser uma das maiores potências do mundo, mas tem tantos problemas como qualquer outro lugar e Anna mesmo confirma: “a maioria das pessoas que conhecemos na prisão são inocentes. Sei que é difícil acreditar, tem estatísticas e estudos que provam as falhas do sistema judiciário nos EUA, mas a situação ainda é pior do que os números que são divulgados e nós, como vitimas dela, sabemos disso melhor que ninguém.”

Mas no meio do caos, tem os anjos para ajudar, Michael Ware também presente na nossa mesa redonda é um dos diretores executivos da ONG, “The Innocent Project Of Texas”, que desde 2007 auxilia casos como de Anna, Liz, Cassie e Kristie, pessoas inocentes que foram condenadas por crimes que não cometeram ou que nem aconteceram. “Nos recebemos mais de 10.000 pedidos de ajuda, e fazemos uma análise detalhada e chocante, mas a maioria deles é de pessoas de baixa renda, negros, latinos, mulheres, como elas, que são inocentes mas mesmo sem provas suficientes são vítimas do sistema e acabam passando anos na cadeia, nosso papel é defendê-los e provar a sua inocência”.

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Michael Ware

Liz destaca a importância de Michael no caso delas: “Depois que Mike entrou nas nossas vidas tudo mudou, nós vimos a luz no fim do túnel. Graças a ele e a toda a equipe estamos aqui hoje. Mas nosso pesadelo ainda não acabou, nós seremos julgadas novamente e, sinceramente, eu e posso falar por todas nós, só vamos conseguir respirar aliviadas quando a sentença final sair. Estamos no aguardo, o julgamento pode ser marcado até o final do ano, ou no ano que vem, só depois disso é que realmente conseguiremos voltar a ter uma vida normal”.

E Kristie faz um apelo, “é por isso que a sua ajuda, da imprensa e de todos que assistirem o nosso documentário e conhecerem a nossa história e tão importante. Nós precisamos deste apoio vindo de qualquer lugar do mundo para convencer o Ministério da Justiça de uma vez por todas que somos inocentes. Anna finaliza dizendo: “aí sim, pode ser que a gente consiga aproveitar mais uma visita a Beverly Hills.”

Essa foi uma das entrevistas mais importantes e tocantes que já fiz atá hoje. Anna, Liz, Cassie e Kristie são gente como a gente. Energia boa, pessoas do bem, que passaram os anos de sua juventude encarceradas, pagando por um crime que não aconteceu. Tudo consequência de homofobia e do preconceito, que muitos de nós sofremos seja pela cor da nossa pele, classe social, opção sexual, ou simplesmente por sermos mulheres. Convido vocês a participar da campanha para libertar essas mulheres que representam muitas pessoas que passam por uma situação parecida seja nos EUA, no Brasil e pelo mundo afora:

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Conheça melhor as quatro mulheres:

Elizabeth Ramirez, condenada a 37 anos e meio de prisão. Nascido em 1974, Elizabeth “Liz” Ramirez foi criada na Unidade de Habitação Pública de San Juan, em San Antonio, Texas. Ela foi emancipada por sua família na idade de 16 depois de ‘sair do armário’ como bissexual. Ela estava grávida no momento da sua prisão. Seu filho, Hector, nasceu dias antes dela ser presa. Foram as sobrinhas de Liz, Stephanie e Vanessa Limon, que fizeram a acusação contra as quatro mulheres.

Kristie Mayhugh, condenada a 15 anos. Kristie “Kris” Mayhugh estava de licença temporária da A & M Escola de Veterinária em College Station, no Texas, no momento da sua prisão. Mayhugh recebeu uma bolsa para entrar na A & M. Ela dividia com Liz o apartamento onde os supostos crimes ocorreram. Kris serviu sua sentença de 15 anos no lendário presidio chamado “Gen Pop” de Mountainview, que também é onde ficam as mulheres condenadas a pena de morte no Texas.

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Anna Vasquez

Anna Vasquez, condenada a 15 anos. Anna nasceu em uma família grande, católica e lutou para sair do armário ainda na adolescência, em San Antonio, Texas. Ela foi a primeira das quatro a ter liberdade condicional, e foi obrigada a registrar-se no governo como um criminosa sexual. Quando ela foi presa, Anna e Cassie viviam juntas ha 7 anos, e estavam criando os dois filhos de Cassie.

Cassandra Rivera, condenada a 15 anos. Cassandra “Cassie” Rivera estava trabalhando em uma concessionaria e estava sonhando em investir em um negocio dedicado a restauração e venda de carros clássicos no momento da sua prisão. Ela estava em um relacionamento sério com Anna Vasquez no momento da sua prisão. Mãe de dois filhos, Ashley e Michael, Cassie foi forçada a deixar os filhos com a mãe, Margaret Rivera, em San Antonio.

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Assista ao trailer:

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