Mistério agita vilarejo de Portugal na premiada obra “Galveias”

Por: Carl

SINOPSE: Pequena aldeia no Alentejo, interior de Portugal, Galveias é onde nasceu José Luís Peixoto. A partir de suas memórias de infância, o autor constrói neste romance o universo de um lugarejo quase parado no tempo, que subitamente se vê diante de um imenso mistério. Com grandes histórias e um elenco de personagens admiráveis, ele traça um retrato da vida rural portuguesa no início dos anos 1980, que vivia então um embate entre a tradição e a inevitável chegada da modernidade, em um momento economicamente difícil para o país. Um livro essencial para compreender a identidade lusitana no mundo contemporâneo – José Luis PEIXOTO – Editora CIA DAS LETRAS – 2015 – 272 páginas.

Antes de começar a escrever sobre GALVEIAS, preciso dizer que morei em Lisboa, Portugal, durante quase cinco anos, período em que fiz faculdade. Meu estágio era em uma empresa de informática e, por causa disso, viajava para várias cidades do interior para prestar serviços em clientes.

Fazendo um comparativo entre as pequenas cidades portuguesas e brasileiras, é possível encontrar vários pontos em comum. Entretanto, em uma coisa, as vilas portuguesas ganham da gente disparado: no conservadorismo. A vida em muitas dessas localidades simplesmente parou no tempo. Vivem à base de uma agricultura limitadíssima, que também serve de subsistência, de turistas e passam os dias entre rodas de conversas, vinhos, queijos e fugindo de qualquer coisa que seja nova. As notícias do mundo, recebem com tanta incredulidade quanto desinteresse. É como ouvir a história de um livro de ficção, para esquecer em seguida.

É nesse ambiente parado no tempo que se passa a história, ou histórias, de GALVEIAS, uma pequena vila do interior de Portugal. A partir da queda de um objeto do céu, que nunca é totalmente explicado, nos arredores da vila, acompanhamos, em cada um dos capítulos, o passado e presente de alguns dos moradores.

As histórias desses indivíduos, que podem ser ficcionais ou não, uma vez que o autor nasceu em Galveia e disse que o livro é baseado em suas memórias, são variadas e, na sua maioria, interessantes. Passamos por rixas entre irmãos; ataques a uma professora, que tenta ser aceita pelos habitantes; uma prostituta brasileira que vende pães; um rapaz com problemas mentais que é acusado de coisas que cometeu, e não cometeu; um comerciante que esconde sua esposa negra com medo do racismo, entre outros vários casos. Cada um deles com pontos em comum, ou quase em comum, que são suficientes para torná-los uma leitura concisa.

A narrativa de Peixoto é poética. O tratamento que ele emprega em cada frase, em cada parágrafo, é uma arte minuciosa. Ela não chega a ser demasiado descritiva, mas vai ao detalhe que emprega sentimento, que torna uma ação ordinária em algo sútil, belo, ou terrivelmente cruel. O leitor acaba sendo arrebatado pela forma como a história é contada e não, necessariamente, pelo que acontece nela. Sendo assim, GALVEIAS não é uma obra para ser lida por qualquer pessoa. Ela necessita de atenção, de uma dedicação que vai além do entendimento dos acontecimentos, para ir ao entendimento da palavra.

Em termos de história propriamente dita, com exceção para a história da rixa de dois irmãos, não há muitas surpresas. São casos que não chegam a emocionar. Talvez, mais, pelo fato de que não existe foco em nenhum personagem. Assim, o leitor não consegue se afeiçoar a ninguém, e apenas acompanha cada capítulo com o interesse de descobrir o que eles levam em comum, e como se ligam com a queda do objeto do céu.

GALVEIAS também é uma obra recheada de metáforas. Praticamente tudo nela tem duplo sentido. Desde os animais domésticos, como os cachorros, até o cheiro de enxofre que invade a vila após a queda do “sem nome”. Inclusive, a própria passagem do tempo é metafórica, uma vez que, em certos pontos, o leitor não tem certeza se está lendo algo do passado ou do presente.

Por fim, a obra foi a ganhadora do prêmio Oceanos, um dos mais importantes prêmios da literatura de língua portuguesa, ou seja, do Brasil e Portugal. Estavam inscritos mais de 700 livros, dentre os quais eu li vários. Meu interesse principal em ler o livro de Peixoto, residia em tentar entender a escolha dos jurados, e fazer um comparativo com os outros concorrentes que eu conhecia. Depois, eu ainda li algumas resenhas lusitanas, uma vez que no Brasil não encontrei nenhuma, bem como algumas reportagens.

Não serei arrogante a ponto de emitir uma opinião sobre merecimento. Entretanto, a sensação que a escolha me passou, foi a mesma de um livro com uma história absolutamente normal, sem qualquer coisa de espetacular, que é escrita com pompa, lida com exacerbação, em um ambiente requintado, para pessoas que dão mais valor à forma e estilo, do que ao conteúdo. Eu, particularmente, prefiro aqueles ambientes triviais, onde nos sentamos no chão, rodeados de amigos, e ouvimos a leitura de uma história descrita com palavras usuais, mas cuja aventura nos deixa sem fôlego.

Eu dou mais importância ao conteúdo da história, do que à forma como ela é narrada. Mas isso é uma questão de gosto, de perspectiva. E cada um tem o seu.

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