Para encerrar a nossa cobertura da corrida do Oscar de 2025, a mais icônica que fizemos até hoje, graças ao aclamado e totalmente premiado filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, compartilho o painel com os documentaristas (produtores e diretores) indicados nessa categoria, que é uma das minhas favoritas, no Museu da Academia.



Eu assisti todos os docs indicados; em “No Other Land”, entendi que a invasão na Palestina pelos judeus vai muito além da guerra atual.
Graças a “Sugarcane”, questionei a minha própria religião, católica, ao ver os depoimentos das vítimas que foram abusadas por padres e freiras nos internatos indígenas no Canadá.
A força e determinação de uma jovem mulher investigando seu próprio estupro, depois de ser desprezada pelas autoridades no Japão, em “Black Box Diaries”, me inspirou.
Sou brasileira e cresci em um país colonizado, mas o que fazem com os países do continente africano é uma crueldade sem fim. “Soundtrack to a Coup d’Etat” me ensinou muito sobre o golpe de estado no Congo e como o jazz contribuiu para isso.
Resiliência foi o que aprendi vendo “Porcelain War”. Como uma sociedade se organiza para proteger a democracia em seu país e o papel fundamental da arte nesse processo.

Meu mundo é maior hoje depois das aulas de histórias que tive ao assistir esses docs. Agradeço aos cineastas que contaram suas histórias. Precisamos delas agora, mais que nunca.


O genial “No Other Land” levou a estatueta. O codiretor, Basel Andra, foi o primeiro palestino a ganhar um Oscar e juntamente com o codiretor, o judeu Yuval Abraham, fez o único discurso político da noite. Um dos melhores momentos da cerimônia. Infelizmente, eles não chegaram a tempo para o painel com os diretores dos documentários indicados, que aconteceu na semana anterior. De qualquer forma, você pode conferir o discurso de Basel e Yuval no Oscar, na íntegra, nessa matéria do Democracy Now, um dos veículos de imprensa independente que eu confio bastante.
O documentário “Black Box Diaries” foi representado no painel pela produtora Hanna Aqvilin. A jornalista japonesa, Shiori Itōc que investigou o próprio estupro, não pode comparecer ao evento, o que foi uma pena pois eu queria muito conhecê-la. De qualquer forma, Hannah a representou muito bem.
“Ajudar a Shiori nesse documentário foi uma das experiências mais intensas e especiais da minha vida. Ela foi muito corajosa em contar a sua história, especialmente porque o seu agressor era um homem muito influente e poderoso. Foi muito sofrido, pois as leis no Japão, como em várias partes do mundo, não protegem as mulheres.

Para vocês terem uma ideia a gente não conseguiu distribuidor para esse doc no país até hoje. Mas, graças as redes sociais, a mensagem chegou em milhares de pessoas e recebemos muito apoio e, apesar de ter sofrido muito durante o processo, a Shiori, iniciou um movimento não só no Japão como no mundo, ela inspirou muita mulheres que denunciaram violências sofridas após ver o caso dela. Isso é incrível. Tenho muito orgulho de ter feito parte desse projeto. A luta continua e o reconhecimento que recebemos com a indicação ao Oscar, foi fundamental para levarmos essa mensagem para tantas pessoas. Somos muito gratas.”
Mais detalhes sobre “No Other Land” e ‘Black Box Diaries”:

Os codiretores de “Sugarcane”, Julian Brave NoiseCat e Emily Kassie, que também produziu o doc, e o produtor Kellen Quinn falaram sobre esse excepcional, importantíssimo e marcante projeto.
“Sugarcane” conta a história dos internatos indígenas, onde crianças e adolescentes eram escravizados, estuprados e abusados por padres e freiras.
“Kellen e eu já estávamos pesquisando sobre as escolas indígenas com a intenção de fazer um documentário, quando nossos caminhos cruzaram com o Julian, que também considerava contar a sua história. A grande sintonia é que pretendíamos fazer em ‘Sugarcane’ e, até então, não sabíamos que era a cidade dele e onde ele cresceu e morava a família dele no Canadá. Com isso decidimos unir forças criativas para decolar o projeto e passamos a trabalhar juntos”, disse Emily.
Kellen complementa, “eu e Emily fomos os facilitadores, porque o objetivo desde o início era criar um ambiente seguro para que as vítimas contassem suas histórias de forma que fossem ouvidas e respeitadas. Nosso foco eram as vítimas e sua saúde mental, ao mesmo tempo que lutamos para que as pessoas que cometeram os crimes fossem responsabilizados, mesmo aquelas que já faleceram. Esse é um processo que está em andamento e não vamos desistir”.

Julian deu seu depoimento como codiretor e também como um dos protagonistas do documentário, “claro que foi muito difícil pra mim, afinal essa é a história da minha família, dos meus ancestrais. Minha avó foi abusada, meu pai é filho um estupro e sofreu um estupro. E quem assistiu sabe que eu não tinha uma relação muito conturbada com o meu pai. Para fazer esse documentário, eu voltei a morar com ele depois de anos longe de casa. Sem dúvidas foram muitos os gatilhos, para todos nós, foi muito difícil em alguns momentos, a gente teve que abrir feridas e conversar abertamente sobre todo o sofrimento que a nossa família passou.
Eu também sofri abuso.
Mas apesar de ter sido uma trajetória muito doida, como cineasta, eu tenho consciência que essa história precisava ser contada da forma certa, por quem viveu. Muita gente já se apropriou da história dos indígenas e contou de uma maneira distorcida. Essa é a nossa chance de contamos a nossa própria história, falar a verdade, apontar os responsáveis que até bem pouco tempo estavam impunes. E esse objetivo me deu forças para seguir em frente, nos dias que pensei em desistir. Ficamos felizes com o resultado e a receptividade do nosso trabalho e espero que, com isso, outros jovens talentos da comunidade indígena continuem produzindo arte e contando as histórias das suas famílias e de suas comunidades. Sugarcane é maior que eu, maior que só a história da minha comunidade, porque abriu portas para que os diversos povos indígenas falem, sem vergonha, das torturas que sofreram, assim como compartilhem as coisas bonitas de suas comunidades”.

O diretor, Johan Grimonprez, e os produtores, Daan Milius and Rémi Grellety, de “Soundtrack to a Coup d’Etat” compartilharam o processo de fazer um documentário sobre o golpe de estado no Congo, usando material de arquivo que combinasse política e música.
“Passamos muitas, muitas horas pesquisando e assistindo ao imagens de arquivo. Para ser sincero, eu sou belga e não conhecia essa história, não sabia da enorme participação do meu país no golpe e não fazia a menor ideia que o jazz tinha um papel tão importante nesse movimento político. Foi um aprendizado pra gente também. Quando entendemos a história, passamos a procurar vídeos que nos ajudassem a montar a narrativa. Ao mesmo tempo, precisávamos de alguns depoimentos inéditos, pois muitas pessoas que conheciam os bastidores ainda estão vivas e isso foi fundamental para dar o tom atual ao roteiro. Queríamos mostrar que é um passado recente e deixar claro que movimentos assim ainda acontecem.”

“Verdade” diz Daan, “era importante que não fosse só imagens dos acontecimentos no passado, mas os depoimentos das pessoas que trabalhavam nos governos que articularam o golpe deram ainda mais autenticidade a história”.
Rémi Grellety complementou, “a parte mais fascinante de produzir documentários históricos é que toda a equipe, editores, produtores, o Johan, que dirigiu, todos nós aprendemos juntos a história que não está nos livros, que não nos ensinaram nas escolas. A crueldade que os governantes dos nossos países, França, Holanda, Bélgica e os EUA, fizeram (e fazem) com os outros países. Essa história ninguém conta pra gente. Nos ensinam que somos heróis, perfeitos, mas não, somos colonizadores e exploradores e, pra gente, o maior prêmio é saber que contamos uma história que não seria divulgada de outra forma. Essa indicação ao Oscar, é uma grande promoção, que permite que mais gente vá aprender sobre o lado podre dos nossos governos, especialmente nesse momento do mundo. E isso é muito importante pra todos nós!”.

Eu assisti “Porcelain War” em uma sessão especial, onde rolou um Q&A com os produtores e o protagonista Slava Leontyev, em Los Feliz, o conteúdo foi semelhante ao do painel e compartilho na matéria abaixo, que também traz mais detalhes sobre “Soundtrack to a Coup d’Etat”.
